A matança do porco em Tras.Os.Montes
Era uma festa, que se realizava normalmente entre Novembro e Fevereiro,
e que infelizmente nem todos podiam participar, porque a vida era difícil, tal como escreve o Abade Baçal nas suas Memorias Arqueológicas e Históricas de Bragança, que em Tras.Os.Montes, o facto de não ter porco para matar, era um indicador do estatuto social do pobre, e corrente para indicar a precária condição de uma família o dizer-se é tão pobre que nem matou. Acrescentando que o porco era a caixa económica dos transmontanos.
Hoje a matança, já não tem o mesmo charme de outrora, em que todos participavam, era uma festa para a família e um sacrifício para o porco, ainda me lembra dos gritos do porco, que tentava a todo o custo se librar dos seus crucificadores, mas em vão sempre acabava morto.
Os porcos eram criados com carinho, e amor muitas vezes eram mais um membro da família, tal era a relação entre o dono e o seu animal, embora cada um soubesse o que desejava, o porco viver o mais feliz possível e o seu dono disfrutar de sua saborosa carne.
Os miúdos adoravam, para alguns era uma oportunidade de comer algo que noutros dias não tinham, a vida era difícil meu amigo, hoje os jovens graças a Deus não sabem o que seus pais passaram, ainda me lembro de como na minha juventude havia pessoas que não podiam matar porco, porque não tinham nem dinheiro para o comprar nem condições para os criar. Hoje tudo é diferente o porco se tornou na carne mais barata e abundante as condições sociais são mais animadoras.
É dia de matança, logo de manhã, os homens se preparavam para matar o bicho, que era composto de queijo e figos com pão e aguardente para quem tinha, outros já tinham almoçado antes mesmo de o porco morrer cada um fazia como podia mas nesse dia todos esqueciam a pobreza que reinava por estas paragens.
Havia o matador, que era normalmente um homem experiente, que munido de uma grande faca, esperava que os outros colocassem o porco num banco onde era atado para que não pudesse fugir. As mulheres tinham a seu cargo o alguidar, com um pouco de miolo de pão e vinagre, mexendo sempre para que o sangue não tralhasse (coagulasse). Depois, o porco era deitado em palha que ia servir para chamuscar os pelos e os homens iam esfregando e quando estava já quase pronto era colocado no banco onde seria lavado e aparado .O matador depois de tudo estar pronto, abria o porco começando do pescoço para traz retirando a que chamavam a barbada ou barriga do parco.
Depois de aberto e levada a barbada, que era uma mostra do valor do porco, quanto maior, melhor será o porco, depois são-lhe retiradas as tripas e o matador corta as pontas das costelas o fígado e parte do boche para ser comido no almoço.
O porco fica em repouso pendurado, e no dia seguinte é partido, separando-se cada parte que vai para uma determinado alguidar, para fazer salpicões, linguiças, bochas e bulhos nalgumas terras se chamam butelos, e também outras partes para fazer as alheiras.
Noutros tempos as mulheres depois do almoço ia até a ribeira mais próxima e ai lavavam as tripas, e com uma verga de almo, eram reviradas, quanto frio que elas apanhavam, na casa da minha mãe se preparava uma bebida de vinho com mel, que sempre ajudava a suportar o frio, e o cheiro das tripas.
A Susã era feito com água, sal, alho, louro, cascas de laranja e um copo de vinho, as carnes ficavam na Susã, um ou dois dias, e antes de encher as tripas, colocava-se a gosto um pouco de pimentão.
O dia da matança do porco é um dia de festa, mas um dia de muito trabalho para a dona de casa, mas todos tentam ajudar um pouquinho, e lá se mantem a tradição.
A matança do porco só se socializou depois da década de sessenta, quando deixou de ser algo só dos ricos, e abrangeu quase toda a população. Em finais do século XIX e inicio dos anos sessenta, a festa da matança tradicional, é uma pequena festa ou uma refeição de trabalho festiva, ou um cerimonial conjugando estes dois tipos de festa. Esta refeição é sobretudo constituída de partes do porco mais perecíveis, que não serão salgadas nem fumadas (sangue, fígado e as vezes pulmão) e carne de porca velha. Essa escassez é ironicamente referida, pelo provérbio. Ossos da suão, barba untada, e barriga em vão.
Aboa matança. A.B.Cordeiro